O Processo

by - 18 agosto


Maria Augusta Ramos é o nome da cineasta e diretora brasileira que nos apresenta os bastidores do controverso processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). São mais de duas horas de imagens gravadas durante todas as fases do processo, em uma narrativa que cria um início, um meio e um fim - este, com a maestria de ser reticências e interrogação, ao mesmo tempo.



É importante mencionar que não trata-se apenas de mais um documentário. Em "O Processo", não vemos interferências; não há a presença de pessoas comentando e apresentando suas opiniões. Neste, os registros em vídeo já se fazem suficientes para a melhor compreensão possível do que foi o processo de impeachment da petista. Em outras palavras, a edição, que respeita - felizmente - a cronologia dos fatos, além de dispensar algo que a complemente, abre a possibilidade para uma reflexão não só política, mas também econômica, comportamental e social.

O documentário não se restringe aos acontecimentos caricatos e conturbados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Vemos, sim, logo no início, trechos torturantes do verdadeiro circo que foi a votação na Câmara, que autorizou, após horas e horas de votos dedicados à família, ao cachorro e à Deus, a abertura do processo. Vemos, também, as longas discussões nas comissões e no plenário do Senado Federal, que mais lembram briguinhas de ensino fundamental. Todavia, o documentário também traz a reação de quem estava fora. E é aí que eu passo a questionar a velha filosofia do "pão e circo", propondo uma simplória analogia: o futebol sempre foi o ópio do brasileiro, ninguém pode contestar isso. Em "O Processo", há claramente uma narrativa semelhante à uma partida de futebol - e eu diria, se me permitem, um clássico como Flamengo x Fluminense ou Palmeiras x Corínthians. Temos duas torcidas adversárias - o time verde e amarelo, favoráveis ao impeachment, e o time vermelho, contra. Os políticos são os jogadores; habilidosos, ardilosos e focados em vencer, custe o que custar. E a Esplanada dos Ministérios, que precisou revisitar o Muro de Berlim para separar as duas torcidas, foi o estádio.

O ponto central em "O Processo", que incomoda a cada minuto assistido, é a sensação de impotência que a injustiça proporciona. Não é preciso recorrer às paixões ideológicas para concluirmos que houve uma grande trama contra Dilma Rousseff em nome de um bem maior, apenas bom senso. Ao decorrer do documentário, vemos claramente como funciona o falido sistema político brasileiro, em que o presidente precisa, obrigatoriamente, ser um corrupto passivo para manter seu governo e poder governar. Se o presidente não compactua com a roubalheira do Congresso, perde as alianças e todo o apoio político e passa a ser boicotado, com conspirações contra o seu mandato. Este foi o caso de Dilma, que recusou as chantagens de Eduardo Cunha (PMDB) e tornou-se vítima de um processo aberto com três únicos propósitos: dar aparência de legalidade a um verdadeiro atentado contra a democracia, instituir o plano de governo derrotado nas urnas pelos últimos 15 anos e afastar os corruptos das rédeas da Justiça. Afinal, como ouvimos na conversa entre Machado e Romero Jucá (PMDB), era mais fácil botar o Michel, num acordo com o Supremo, com tudo.

Se o futuro repetir o passado, como diria Cazuza, este processo de impeachment passará a ser reconhecido, daqui a algumas décadas, como um efetivo golpe parlamentar e, certamente, "O Processo" será considerado um importante registro de um capítulo sombrio da história do Brasil. Aconteceu o mesmo quando se trata da ditadura militar instaurada em 1964, apoiada fervorosamente pelas elites, pela grande mídia e por diversos setores da imprensa. Impeachment ou golpe? Ainda há quem se pergunte. Eu digo que foi um processo - e daqueles que mais deixam estragos.

Escrito por: Alexandre Lima

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2 comentários

  1. É um documentário realmente bom,que mostra os dois lados da moeda. Sei disso mesmo não tendo assistido por completo. Excelente exposição dos fatos, parabéns!

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